Sobre a Imprensa Periódica Colonial
A Imprensa Periódica Colonial [1]
A partir de um debate, em Junho de 2016, em torno da ideia “colonial”, o grupo demarcou e veio aprofundando o conceito de “Imprensa Periódica Colonial”. A discussão fazia-se necessária face à polissemia do adjectivo e do substantivo “colonial”, ligada à diversidade de pontos de vista que convocava (geográficos, ideológicos, vivenciais e históricos), dela decorrendo entendimentos diversos sobre o que era “imprensa colonial", por outras palavras, a imprensa periódica (ou com intenção de periodicidade) de âmbito colonial. Nesse encontro, debateu-se o sentido de incorporar no conceito as dinâmicas imperiais, transimperiais e póscoloniais, e de eleger como foco do grupo o império português e os países e espaços que dele se libertaram. Fundamentou-se, ainda, a escolha de focar na imprensa periódica, em alternativa a abranger os diversos meios de comunicação social ou outras tipologias de impressos.
O foco na imprensa justifica-se, antes de mais, pela longevidade e prioridade deste meio de comunicação social, impondo-se como criador e modelo de jornalismo para os que se seguiram. A sua popularização contribuiu decisivamente para derramar a relação dinâmica entre a cultura da escrita impressa e a leitura, e para revolucionar as próprias linguagens escrita e orais, as categorias de escrita, e as formas de ler e de pensar. Não menos relevante, revolucionou o próprio conceito de autoria ao criar o próprio periódico como autor colectivo. Por outro lado, o desenvolvimento e embaratecimento da tecnologia tipográfica ao ampliar o seu acesso, permitiu que a imprensa se constituisse simultaneamente com instrumento de poder e de contrapoder, de veículo de democratização da autoria, de diversificação da opinião publicada e dos sentidos do activismo. A imprensa desempenhou, assim, um papel essencial na democratização da cultura do impresso, constituindo-se como testemunho e actor da história contemporânea. Na generalidade dos títulos e na particularidade de cada projecto, a imprensa constitui um arquivo dessa história.
As histórias, geograficamente desiguais, da expansão, moldagem e condicionamento (ou mesmo inexistência) da imprensa ao longo e através do mundo colonial, constituem barómetros da democraticidade permitida ou forçada num sistema de poder de natureza antidemocrática. Tais histórias estão intimamente ligadas ao nascimento e evolução dos modernos ideais e práticas políticas liberais e democráticos e à forma como forçaram, devido a criticismo e resistência, as fundações ideológicas e reconfigurações governativas dos impérios coloniais. Na variedade dos planos (locais, trans/imperiais, regionais), este processo assistiu a criação e diversificação de esferas públicas e de públicos, tecidos em redes complexas de comunicabilidade e incomunicabilidade, inclusivamente linguísticas.
Estas histórias revelam-nos, ainda, a importância da imprensa na consciencialização e afirmação política e cultural dos povos colonizados, e no contributo dos seus intelectuais para os debates teorizadores que acompanharam os movimentos de ideias na modernidade. A busca de recuperação e o estudo dos títulos que as constituiram impõem-se, assim, também como possibilidade de recuperação de vozes esquecidas ou subalternizadas e de entendimento complexificado do mundo colonial e pós-colonial. As questões elencadas para destacar a importância da imprensa na construção da modernidade como contemporaneidade ganham novo peso nos espaços coloniais, onde raramente o mercado livreiro pôde florescer, e onde meios de comunicação social posteriores enfrentariam redobradas dificuldades em sair do controlo do Estado colonial.
Olhar a imprensa sob o viés colonial permite interrogar o conceito de imprensa colonial e as suas fronteiras. Recuperando classificações coevas apoiadas no substantivo “colonial”, imprensa colonial designava a imprensa dedicada ao colonialismo como projecto e realidade que frequentemente incorporava a agenda dos seus desígnios nacionais e ocidentais, através da discussão de “assuntos coloniais”, incluindo conhecimento, políticas e missão. Tipicamente referia-se à imprensa contribuida por “especialistas” nas “realidades” ou “ciências” coloniais. Era também tipicamente escrita na língua do colonizador, maioritariamente publicada nos países colonizadores e, também, maioritaria mas não exclusivamente contribuída pelos seus nativos que tinham interesses ou carreiras nas colónias. Num sentido diferente, referia-se à imprensa publicada nas colónias, respeitando à sua condição de sujeição colonial, tendendo a ser usada independentemente da iniciativa, tipologia, fins ou línguas de comunicação. Estes diferentes entendimentos chamam a atenção para o persistente imaginário dos países colonizadores, balanceando entre autonomia e dependência histórica do seu papel de instituidores do espaço colonial, através do qual integravam o mundo colonial na posição de metrópoles imperiais. Movendo para a perspectiva dos países/espaços libertados, imprensa colonial convoca o tempo, a imprensa publicada no período em que as histórias nacionais/locais foram marcadas pelo domínio de um ou mais países europeus.
É importante incorporar estas distinções, mas adoptar uma em detrimento das outras negligencia os seus sentidos, relações e papéis complementares nos processos de reconstrução, discussão e negociação e desmantelamento discursivo do mundo colonial desde finais do século 18. Estes processos contribuiram dinamicamente para moldar e tornar hegemónicas narrativas de modernidade e atraso nos diferentes espaços involvidos. Sob essa perspectiva, estas classificações tornam-se insuficientes, por ignorarem outras imprensas igualmente importantes para o entendimento presente destes processos. Referimo-nos, designadamente, à imprensa publicada nos centros metropolitanos europeus pelos colonizados, da qual os periódicos promovidos por estudantes e comunidades migrantes são os casos mais conhecidos. Outros casos são os da imprensa de exílio que visava a resistência aos status quo colonial, ou que tinha propósitos de libertação, bem como a imprensa das comunidades estabelecidas fora das fronteiras dos seus contextos imperiais originais que, no entanto, mantinha ou até adquiria novo interesse e poder social para discutir a situação da terra natal. Por outro lado, revisitar a imprensa que por tradição escapava à classificação, para entender o seu papel nas discussões coloniais e na constituição da alteridade dos colonizados, tem permitido repensar o passado envolvimento de diferentes ciências, artes, movimentos políticos e culturais “ocidentais” nas discussões coloniais. Similarmente, historiadores do campo da história intelectual e da história das ideias estão crescentemente interessados na participação de intelectuais das colónias nas discussões que mobilizaram esses movimentos, designadamente em revistas e jornais. Têm-se interessado, igualmente, por mapear a vida intelectual de metrópoles europeias que, por se tornarem espaços de confluência cosmopolita, ajudaram a convivialidade intra/inter-imperial e a consciencialização anti-colonial. Estas linhas de investigação redireccionam a nossa atenção para a variedade de imprensa publicada nesses centros e nas colónias, a ponto de se tornar difícil excluir qualquer tipologia da análise das dinâmicas coloniais abrigadas pelos impérios.
É, assim, movendo da discussão conceptual do significado de “colonial”, abrindo as perspectivas do seu entendimento, que a ideia de imprensa colonial adquire particular interesse, sem contradizer, antes incorporando e contribuindo para reflectir sobre reivindicações patrimoniais e sobre as classificações e tipologias que qualquer periódico possa integrar. Tal abordagem está menos preocupada em demarcar fronteiras e mais interessada nas perspectivas que o estudo da imprensa abre à nossa percepção das dinâmicas coloniais e das discussões públicas que as integraram. A análise da imprensa colonial evidencia porque a ideia de esfera pública precisa de ser enriquecida e pluralizada pela consideração de esferas públicas sociais, locais, nacionais, imperiais e internacionais, oferecendo suporte histórico à discussão do conceito, recentemente revisitada por France Aubin [2]. Simultaneamente, evidencia que as discussões públicas não são redutíveis a esse conceito político, mesmo tendo implicações políticas. De facto, no seu conjunto, a imprensa tornou-se um veículo priveligiado para a expressão de uma variedade de disputas sociais, culturais, científicas ou religiosas, e para a (re)configuração criativa de ideias, gostos e movimento por actores diversos, incluindo o Estado. Os desenvolvimentos tecnológicos permitiram a criação de grandes empresas privadas, frequentemente protegidas pelos estados coloniais, nas quais a ideia de mass media se ancora, ajudando a criação de discursos dominantes. No entanto, também permitiram a expansão de uma imprensa de baixo custo que, aproveitando a maior acessibilidade de tipografias rudimentares, ajudaram, como já referido, a democratização da capacidade de iniciativa. As condições nas quais o acesso democrático à imprensa floresceu, sucumbiu, e sequer alguma vez emergiu, variou imensamente no tempo e no espaço, e estiveram dependentes de uma multiplicidade de factores, sendo os mais marcantes a hierarquização das colónias motivada pelas agendas coloniais, as leis e outras práticas de condicionamento, os activismos locais e diferentes movimentos de resistência.
Permitir um entendimento político-cultural pluralizado, complexificado e por camadas destas discussões conectadas no mundo colonial requer revisitar, e para tal trabalhar para recuperar e mesmo expandir a original acessibilidade, da variedade da imprensa publicada em diferentes línguas e espaços, com diferentes agendas e focos, por diferentes actores ou pelos mesmos actores visando públicos diferentes, atendendo ao carácter circulatório das discussões e às diferentes perspectivas que as moldaram. Tal abordagem não funciona sem diálogos académicos que abram portões a visões enriquecidas dessas dinâmicas. Por outro lado, este movimento pluralizante ganha em aproximar estes processos dentro de diferentes impérios. Conectar estas histórias de imprensa revela características comuns e histórias partilhadas, bem como diferenças e tensões. Permite-nos olhar para as relações bilaterais entre o local e o imperial, ao mesmo tempo que ilumina como estas relações incorporam zonas de contacto e circulações entre impérios, bem como lógicas regionais e locais que dialogam com a situação colonial. Não menos importante, permite pensar o papel do comparativismo com foco na sua importância coeva em discussões públicas, tanto em termos retóricos quanto substanciais. De facto, abordagens comparativistas a modelos coloniais e às mentalidades que informavam as relações por eles estabelecidas, foram constantes nas discussões de políticas coloniais, bem como na propaganda colonial da missão civilizadora e no marketing concorrencial de nações imperiais. Foram também constantes nas identificações, críticas e imagens elaboradas pelos colonizados acerca das potências coloniais e do posicionamento social e político-cultural interno, ou até relativo a outros espaços coloniais. Foram não menos importantes na consciencialização e crítica do imperialismo colonial e das formas de domínio material, cultural, intelectual e psicológico que transportava. Muitas das discussões elencadas, como a própria imprensa mais uma vez permite perceber, continuaram no período pós-colonial, pós porque sucedeu aos vínculos políticos criados por impérios coloniais situados no tempo, pós porque, com esse corte, o colonial não deixou de ser um problema para as sociedades que sucederam. Importa, pois, atender a como esse pós foi/vai sendo construído e debatido discursivamente na imprensa, numa época de crise de sobrevivência e em que a democratização da iniciativa e dos actores envolvidos claramente recedeu.
[1] Parte da presente apresentação foi publicada no prefácio comum aos livros publicados pela Routledge Cultural History Series por iniciativa do grupo.
[2] France Aubin, “Between Public Space(s) and Public Sphere(s): An Assessment of Francophone Contributions,” Canadian Journal of Communication, 39, nº 1 (2014): 89–110.
O foco na imprensa justifica-se, antes de mais, pela longevidade e prioridade deste meio de comunicação social, impondo-se como criador e modelo de jornalismo para os que se seguiram. A sua popularização contribuiu decisivamente para derramar a relação dinâmica entre a cultura da escrita impressa e a leitura, e para revolucionar as próprias linguagens escrita e orais, as categorias de escrita, e as formas de ler e de pensar. Não menos relevante, revolucionou o próprio conceito de autoria ao criar o próprio periódico como autor colectivo. Por outro lado, o desenvolvimento e embaratecimento da tecnologia tipográfica ao ampliar o seu acesso, permitiu que a imprensa se constituisse simultaneamente com instrumento de poder e de contrapoder, de veículo de democratização da autoria, de diversificação da opinião publicada e dos sentidos do activismo. A imprensa desempenhou, assim, um papel essencial na democratização da cultura do impresso, constituindo-se como testemunho e actor da história contemporânea. Na generalidade dos títulos e na particularidade de cada projecto, a imprensa constitui um arquivo dessa história.
As histórias, geograficamente desiguais, da expansão, moldagem e condicionamento (ou mesmo inexistência) da imprensa ao longo e através do mundo colonial, constituem barómetros da democraticidade permitida ou forçada num sistema de poder de natureza antidemocrática. Tais histórias estão intimamente ligadas ao nascimento e evolução dos modernos ideais e práticas políticas liberais e democráticos e à forma como forçaram, devido a criticismo e resistência, as fundações ideológicas e reconfigurações governativas dos impérios coloniais. Na variedade dos planos (locais, trans/imperiais, regionais), este processo assistiu a criação e diversificação de esferas públicas e de públicos, tecidos em redes complexas de comunicabilidade e incomunicabilidade, inclusivamente linguísticas.
Estas histórias revelam-nos, ainda, a importância da imprensa na consciencialização e afirmação política e cultural dos povos colonizados, e no contributo dos seus intelectuais para os debates teorizadores que acompanharam os movimentos de ideias na modernidade. A busca de recuperação e o estudo dos títulos que as constituiram impõem-se, assim, também como possibilidade de recuperação de vozes esquecidas ou subalternizadas e de entendimento complexificado do mundo colonial e pós-colonial. As questões elencadas para destacar a importância da imprensa na construção da modernidade como contemporaneidade ganham novo peso nos espaços coloniais, onde raramente o mercado livreiro pôde florescer, e onde meios de comunicação social posteriores enfrentariam redobradas dificuldades em sair do controlo do Estado colonial.
Olhar a imprensa sob o viés colonial permite interrogar o conceito de imprensa colonial e as suas fronteiras. Recuperando classificações coevas apoiadas no substantivo “colonial”, imprensa colonial designava a imprensa dedicada ao colonialismo como projecto e realidade que frequentemente incorporava a agenda dos seus desígnios nacionais e ocidentais, através da discussão de “assuntos coloniais”, incluindo conhecimento, políticas e missão. Tipicamente referia-se à imprensa contribuida por “especialistas” nas “realidades” ou “ciências” coloniais. Era também tipicamente escrita na língua do colonizador, maioritariamente publicada nos países colonizadores e, também, maioritaria mas não exclusivamente contribuída pelos seus nativos que tinham interesses ou carreiras nas colónias. Num sentido diferente, referia-se à imprensa publicada nas colónias, respeitando à sua condição de sujeição colonial, tendendo a ser usada independentemente da iniciativa, tipologia, fins ou línguas de comunicação. Estes diferentes entendimentos chamam a atenção para o persistente imaginário dos países colonizadores, balanceando entre autonomia e dependência histórica do seu papel de instituidores do espaço colonial, através do qual integravam o mundo colonial na posição de metrópoles imperiais. Movendo para a perspectiva dos países/espaços libertados, imprensa colonial convoca o tempo, a imprensa publicada no período em que as histórias nacionais/locais foram marcadas pelo domínio de um ou mais países europeus.
É importante incorporar estas distinções, mas adoptar uma em detrimento das outras negligencia os seus sentidos, relações e papéis complementares nos processos de reconstrução, discussão e negociação e desmantelamento discursivo do mundo colonial desde finais do século 18. Estes processos contribuiram dinamicamente para moldar e tornar hegemónicas narrativas de modernidade e atraso nos diferentes espaços involvidos. Sob essa perspectiva, estas classificações tornam-se insuficientes, por ignorarem outras imprensas igualmente importantes para o entendimento presente destes processos. Referimo-nos, designadamente, à imprensa publicada nos centros metropolitanos europeus pelos colonizados, da qual os periódicos promovidos por estudantes e comunidades migrantes são os casos mais conhecidos. Outros casos são os da imprensa de exílio que visava a resistência aos status quo colonial, ou que tinha propósitos de libertação, bem como a imprensa das comunidades estabelecidas fora das fronteiras dos seus contextos imperiais originais que, no entanto, mantinha ou até adquiria novo interesse e poder social para discutir a situação da terra natal. Por outro lado, revisitar a imprensa que por tradição escapava à classificação, para entender o seu papel nas discussões coloniais e na constituição da alteridade dos colonizados, tem permitido repensar o passado envolvimento de diferentes ciências, artes, movimentos políticos e culturais “ocidentais” nas discussões coloniais. Similarmente, historiadores do campo da história intelectual e da história das ideias estão crescentemente interessados na participação de intelectuais das colónias nas discussões que mobilizaram esses movimentos, designadamente em revistas e jornais. Têm-se interessado, igualmente, por mapear a vida intelectual de metrópoles europeias que, por se tornarem espaços de confluência cosmopolita, ajudaram a convivialidade intra/inter-imperial e a consciencialização anti-colonial. Estas linhas de investigação redireccionam a nossa atenção para a variedade de imprensa publicada nesses centros e nas colónias, a ponto de se tornar difícil excluir qualquer tipologia da análise das dinâmicas coloniais abrigadas pelos impérios.
É, assim, movendo da discussão conceptual do significado de “colonial”, abrindo as perspectivas do seu entendimento, que a ideia de imprensa colonial adquire particular interesse, sem contradizer, antes incorporando e contribuindo para reflectir sobre reivindicações patrimoniais e sobre as classificações e tipologias que qualquer periódico possa integrar. Tal abordagem está menos preocupada em demarcar fronteiras e mais interessada nas perspectivas que o estudo da imprensa abre à nossa percepção das dinâmicas coloniais e das discussões públicas que as integraram. A análise da imprensa colonial evidencia porque a ideia de esfera pública precisa de ser enriquecida e pluralizada pela consideração de esferas públicas sociais, locais, nacionais, imperiais e internacionais, oferecendo suporte histórico à discussão do conceito, recentemente revisitada por France Aubin [2]. Simultaneamente, evidencia que as discussões públicas não são redutíveis a esse conceito político, mesmo tendo implicações políticas. De facto, no seu conjunto, a imprensa tornou-se um veículo priveligiado para a expressão de uma variedade de disputas sociais, culturais, científicas ou religiosas, e para a (re)configuração criativa de ideias, gostos e movimento por actores diversos, incluindo o Estado. Os desenvolvimentos tecnológicos permitiram a criação de grandes empresas privadas, frequentemente protegidas pelos estados coloniais, nas quais a ideia de mass media se ancora, ajudando a criação de discursos dominantes. No entanto, também permitiram a expansão de uma imprensa de baixo custo que, aproveitando a maior acessibilidade de tipografias rudimentares, ajudaram, como já referido, a democratização da capacidade de iniciativa. As condições nas quais o acesso democrático à imprensa floresceu, sucumbiu, e sequer alguma vez emergiu, variou imensamente no tempo e no espaço, e estiveram dependentes de uma multiplicidade de factores, sendo os mais marcantes a hierarquização das colónias motivada pelas agendas coloniais, as leis e outras práticas de condicionamento, os activismos locais e diferentes movimentos de resistência.
Permitir um entendimento político-cultural pluralizado, complexificado e por camadas destas discussões conectadas no mundo colonial requer revisitar, e para tal trabalhar para recuperar e mesmo expandir a original acessibilidade, da variedade da imprensa publicada em diferentes línguas e espaços, com diferentes agendas e focos, por diferentes actores ou pelos mesmos actores visando públicos diferentes, atendendo ao carácter circulatório das discussões e às diferentes perspectivas que as moldaram. Tal abordagem não funciona sem diálogos académicos que abram portões a visões enriquecidas dessas dinâmicas. Por outro lado, este movimento pluralizante ganha em aproximar estes processos dentro de diferentes impérios. Conectar estas histórias de imprensa revela características comuns e histórias partilhadas, bem como diferenças e tensões. Permite-nos olhar para as relações bilaterais entre o local e o imperial, ao mesmo tempo que ilumina como estas relações incorporam zonas de contacto e circulações entre impérios, bem como lógicas regionais e locais que dialogam com a situação colonial. Não menos importante, permite pensar o papel do comparativismo com foco na sua importância coeva em discussões públicas, tanto em termos retóricos quanto substanciais. De facto, abordagens comparativistas a modelos coloniais e às mentalidades que informavam as relações por eles estabelecidas, foram constantes nas discussões de políticas coloniais, bem como na propaganda colonial da missão civilizadora e no marketing concorrencial de nações imperiais. Foram também constantes nas identificações, críticas e imagens elaboradas pelos colonizados acerca das potências coloniais e do posicionamento social e político-cultural interno, ou até relativo a outros espaços coloniais. Foram não menos importantes na consciencialização e crítica do imperialismo colonial e das formas de domínio material, cultural, intelectual e psicológico que transportava. Muitas das discussões elencadas, como a própria imprensa mais uma vez permite perceber, continuaram no período pós-colonial, pós porque sucedeu aos vínculos políticos criados por impérios coloniais situados no tempo, pós porque, com esse corte, o colonial não deixou de ser um problema para as sociedades que sucederam. Importa, pois, atender a como esse pós foi/vai sendo construído e debatido discursivamente na imprensa, numa época de crise de sobrevivência e em que a democratização da iniciativa e dos actores envolvidos claramente recedeu.
[1] Parte da presente apresentação foi publicada no prefácio comum aos livros publicados pela Routledge Cultural History Series por iniciativa do grupo.
[2] France Aubin, “Between Public Space(s) and Public Sphere(s): An Assessment of Francophone Contributions,” Canadian Journal of Communication, 39, nº 1 (2014): 89–110.