Conheça os membros do GIEIPC-IP!
Entrevista com Adelaide Vieira Machado e Sandra Ataíde Lobo
Nos inícios dos anos 90, eu e a Adelaide inscrevemo-nos no mestrado em História Cultural e Política, criado por Silva Dias e os professores que com ele vieram da Universidade de Coimbra para fundar o departamento História das Ideias da FCSH. A sua frequência foi decisiva na nossa formação, por vias diversas. Educou-nos ao olhar transdisciplinar da história das ideias e treinou o prazer de análise e discussão coletiva de textos e ideias. Esse mesmo prazer levaria antigos alunos a convencer Zília Osório de Castro a criar o Seminário Livre de História das Ideias, ao qual nos juntámos em 1994. A história do SLHI evoluiu entre debates e projetos, designadamente em torno de revistas ligadas a movimentos intelectuais. Antes disso, no entanto, foi António Ventura que no fim da licenciatura primeiro motivou a estudar a imprensa, o seu papel na história contemporânea e o olhar enriquecido que os periódicos oferecem ao seu entendimento. Esse interesse inicial ajudou a alimentar a liberdade e a vertente lúdica que sempre associámos à investigação, pois deu-se por via do estudo da imprensa do século 19 na qual descobrimos o lugar do humor nos estilos literários que albergava, nas polémicas e no olhar para o quotidiano. Entretanto, criámos uma parceria duradoura, tendo sozinhas, ou com outros colegas, alimentado projetos nunca apoiados como era habitual nesses tempos, enquanto amadurecíamos os nossos olhares. Resultou que durante anos estudámos e escrevemos muito mais do que publicámos. Foi um percurso de amador, no sentido em que trabalhámos em bibliotecas e arquivos, frequentemente em parceria. Pudemos, por exemplo, participar na criação do jornal Público, ao qual tanto interessou trazer à imprensa quotidiana a reflexividade mais habitual aos semanários, quanto a ideia de criar uma dinâmica democrática na feitura do jornal. Aconteceu-nos por uma via de uma experiência inédita na imprensa portuguesa: a integração de arquivistas na própria redação, uma experiência criada pela secção de fotografia. Fomos chamadas não só a organizar o arquivo, o qual incorporou os espólios de alguns dos mais importantes fotojornalistas da época, como ainda a intervir ativamente na defesa da fotografia autoral e do olhar fotográfico na conceção diária do jornal. Foi este percurso, mesclando acasos, intenções e amizades, que transportamos quando decidimos dedicar-nos à investigação. Devido a essa viragem viemos a conhecer os investigadores que em Portugal e noutros países estudavam as nossas temáticas e a ligarmo-nos a diferentes projetos e redes. A aventura coletiva de criar o GIEIP-IP surgiu como uma consequência natural.
1) Quais foram as motivações principais para a criação do GIEIPC-IP?
Teorizar e estudar a imprensa colonial chamando a atenção para a sua importância para quebrar, sem ignorar, lógicas coloniais e pós-coloniais. Defender que a imprensa colonial deve ser entendida como um arquivo internacional de interesse transnacional e multidisciplinar. Quebrar com o tendencial acantonamento geográfico dos estudos sobre o colonialismo, recordando que os impérios ligavam e confrontavam das mais diversas formas as pessoas, as realidades, e as ideias e os debates coevos. Descentrar os estudos sobre o colonialismo da quase exclusividade do olhar sobre a ideologia e ação colonizadora, para abordar o agenciamento dos colonizados, sem ignorar a importância central das relações de poder na construção e desmantelamento dos impérios coloniais. Impulsionar os diálogos entre historiografias nacionais e olhares transnacionais que contribuam para a complexificação do olhar sobre o mundo colonial e pós-colonial. Considerar um problema a resolver a dispersão e perigo de sobrevivência das coleções, apresentando como solução a colaboração multidisciplinar, nacional e internacional, entre investigadores e instituições, com vista à criação, estudo e disseminação de um arquivo virtual numa plataforma comum. Contribuir para a luta contra as desigualdades, a começar pelas alimentadas pelo sistema académico e científico internacional. Enfim, tratou-se um tempo de delimitar uma área de estudos e de considerá-la indesligável de uma ética de intervenção.
2) Quais foram os momentos/atividades mais marcantes do desenvolvimento do grupo até hoje?
Após as primeiras reuniões preliminares para discussão do conceito e apresentação da ideia e do grupo (seguir o histórico no site), pensamos que o Congresso de 2017 marcou aquela que seria a vocação do Grupo: pôr em contato de forma verdadeiramente internacional e interdisciplinar as várias redes de investigação e as instituições a elas ligadas (Universidades, Centros de Investigação, Bibliotecas e Arquivos, etc.), bem como, de através dessa massa crítica que a partir de 2017 se formou, e continua a crescer, estabelecer uma área temática. Nesse sentido, publicámos uma coleção de livros que a consubstancia, e organizámos e/ou colaborámos em vários congressos e eventos científicos em vários continentes. Gostaríamos ainda de assinalar que o crescimento do grupo tem vindo a traduzir-se, em 2023 e 2024, na necessidade de uma estruturação interna dinâmica com a criação de várias comissões que surgiram e têm agrupado os membros segundo os seus interesses científicos e intelectuais. Mais do que divulgação e produção científica, de pensar o colonial e a pós-colonialidade de forma permanentemente crítica, procuramos, também, agir e funcionar de maneira a contribuir, de forma exemplar, para uma postura democrática de convívio entre pares.
3) Como é que a Imprensa Periódica Colonial é trabalhada na vossa investigação individual?
Adelaide: O meu interesse pela imprensa periódica, enquanto fonte e objeto de estudo, manifestou-se nos últimos anos da licenciatura, a época contemporânea, com enfoque no período liberal e no estudo da opinião pública. Naturalmente, fui encontrando outros colegas com os mesmos interesses e lembro-me que eu a Sandra e mais algumas pessoas, incluindo o professor Artur Anselmo como apoiante e mentor da ideia, chegamos a preparar um projeto a ser entregue na JNICT (atual FCT) que não chegou a ser concluído, em que se propunha a elaboração de um dicionário da imprensa periódica portuguesa, numa base de dados interativa com o levantamento informático da identificação dos jornais: títulos, autores, analíticos de artigos etc.. Saliento, também, que o meu mestrado e doutoramento, foram feitos em torno do jornalismo de opinião, de exilados das lutas liberais, o que me abriu para a existência de redes intelectuais que a imprensa periódica tornava possíveis enquanto facilitadora de debates e consensos. Nesse enquadramento a discussão em torno do princípio democrático, e da ideia de democracia contemporânea, que se inicia após as revoluções americana e francesa, veio a consolidar o meu interesse em perseguir o aprofundamento do conceito e das suas contradições e limitações. O aprofundamento dessa linha de investigação no Seminário Livre de História das Ideias e na formatação do que viria a ser o RIC em ligação aquele Seminário, contribuiu para que chegasse um pouco mais longe na compreensão histórica do presente. Assim, todas as leituras de jornais, revistas e das principais temáticas que as alimentavam, levaram-me à questão colonial e à imprensa colonial como porta-voz da tensão primordial da contemporaneidade. Não fiz este caminho sozinha e o GIEIPC-IP nasceu do feliz encontro de ideias de algumas pessoas que puseram mãos à obra. Penso que a minha produção científica, traduz melhor este percurso do que a minha narrativa apressada, que já extrapolou o número de palavras pedidas.
Sandra: Como o meu percurso evidencia desde a licenciatura dediquei-me a estudar imprensa colonial, muito antes de ter consciência que o fazia e de olhá-la sob esse viés. Essa consciência só começou a ganhar forma quando no âmbito do doutoramento passei a pensar o impacto do colonialismo em Portugal e nos espaços colonizados e me deparei com crescentes dificuldades em excluir da equação quer a forma como encaramos a construção do mundo contemporâneo, quer quaisquer dimensões das realidades coevas. Foi uma dificuldade para a qual o estudo da imprensa contribuiu particularmente, tanto pelos problemas de classificação e de inscrição identitária dos periódicos, quanto pelas dinâmicas, agendas e silêncios que evidenciavam. Concretamente, trabalho sobre imprensa colonial desde o meu doutoramento, ainda antes de ter a certeza de como classificá-la, interligando teorização e o olhar para a imprensa como espaço de modelação e debate de ideias e mundividências político-culturais, bem como de mobilização e criação de redes intelectuais. Tenho-me interessado particularmente por alguns intelectuais e pela sua intervenção na imprensa, pela imprensa publicada em Portugal e na imprensa de iniciativa ou intervenção significativa goesa publicada nos mais diversos espaços, o que me conduziu a estudar não só a imprensa goesa mas também, por exemplo, a imprensa publicada na Índia britânica e a imprensa francesa dos anos 20, integrando-as no equacionamento da imprensa colonial e das redes intelectuais que foi mobilizando e espelhando, sobretudo a partir do século 20.
Teorizar e estudar a imprensa colonial chamando a atenção para a sua importância para quebrar, sem ignorar, lógicas coloniais e pós-coloniais. Defender que a imprensa colonial deve ser entendida como um arquivo internacional de interesse transnacional e multidisciplinar. Quebrar com o tendencial acantonamento geográfico dos estudos sobre o colonialismo, recordando que os impérios ligavam e confrontavam das mais diversas formas as pessoas, as realidades, e as ideias e os debates coevos. Descentrar os estudos sobre o colonialismo da quase exclusividade do olhar sobre a ideologia e ação colonizadora, para abordar o agenciamento dos colonizados, sem ignorar a importância central das relações de poder na construção e desmantelamento dos impérios coloniais. Impulsionar os diálogos entre historiografias nacionais e olhares transnacionais que contribuam para a complexificação do olhar sobre o mundo colonial e pós-colonial. Considerar um problema a resolver a dispersão e perigo de sobrevivência das coleções, apresentando como solução a colaboração multidisciplinar, nacional e internacional, entre investigadores e instituições, com vista à criação, estudo e disseminação de um arquivo virtual numa plataforma comum. Contribuir para a luta contra as desigualdades, a começar pelas alimentadas pelo sistema académico e científico internacional. Enfim, tratou-se um tempo de delimitar uma área de estudos e de considerá-la indesligável de uma ética de intervenção.
2) Quais foram os momentos/atividades mais marcantes do desenvolvimento do grupo até hoje?
Após as primeiras reuniões preliminares para discussão do conceito e apresentação da ideia e do grupo (seguir o histórico no site), pensamos que o Congresso de 2017 marcou aquela que seria a vocação do Grupo: pôr em contato de forma verdadeiramente internacional e interdisciplinar as várias redes de investigação e as instituições a elas ligadas (Universidades, Centros de Investigação, Bibliotecas e Arquivos, etc.), bem como, de através dessa massa crítica que a partir de 2017 se formou, e continua a crescer, estabelecer uma área temática. Nesse sentido, publicámos uma coleção de livros que a consubstancia, e organizámos e/ou colaborámos em vários congressos e eventos científicos em vários continentes. Gostaríamos ainda de assinalar que o crescimento do grupo tem vindo a traduzir-se, em 2023 e 2024, na necessidade de uma estruturação interna dinâmica com a criação de várias comissões que surgiram e têm agrupado os membros segundo os seus interesses científicos e intelectuais. Mais do que divulgação e produção científica, de pensar o colonial e a pós-colonialidade de forma permanentemente crítica, procuramos, também, agir e funcionar de maneira a contribuir, de forma exemplar, para uma postura democrática de convívio entre pares.
3) Como é que a Imprensa Periódica Colonial é trabalhada na vossa investigação individual?
Adelaide: O meu interesse pela imprensa periódica, enquanto fonte e objeto de estudo, manifestou-se nos últimos anos da licenciatura, a época contemporânea, com enfoque no período liberal e no estudo da opinião pública. Naturalmente, fui encontrando outros colegas com os mesmos interesses e lembro-me que eu a Sandra e mais algumas pessoas, incluindo o professor Artur Anselmo como apoiante e mentor da ideia, chegamos a preparar um projeto a ser entregue na JNICT (atual FCT) que não chegou a ser concluído, em que se propunha a elaboração de um dicionário da imprensa periódica portuguesa, numa base de dados interativa com o levantamento informático da identificação dos jornais: títulos, autores, analíticos de artigos etc.. Saliento, também, que o meu mestrado e doutoramento, foram feitos em torno do jornalismo de opinião, de exilados das lutas liberais, o que me abriu para a existência de redes intelectuais que a imprensa periódica tornava possíveis enquanto facilitadora de debates e consensos. Nesse enquadramento a discussão em torno do princípio democrático, e da ideia de democracia contemporânea, que se inicia após as revoluções americana e francesa, veio a consolidar o meu interesse em perseguir o aprofundamento do conceito e das suas contradições e limitações. O aprofundamento dessa linha de investigação no Seminário Livre de História das Ideias e na formatação do que viria a ser o RIC em ligação aquele Seminário, contribuiu para que chegasse um pouco mais longe na compreensão histórica do presente. Assim, todas as leituras de jornais, revistas e das principais temáticas que as alimentavam, levaram-me à questão colonial e à imprensa colonial como porta-voz da tensão primordial da contemporaneidade. Não fiz este caminho sozinha e o GIEIPC-IP nasceu do feliz encontro de ideias de algumas pessoas que puseram mãos à obra. Penso que a minha produção científica, traduz melhor este percurso do que a minha narrativa apressada, que já extrapolou o número de palavras pedidas.
Sandra: Como o meu percurso evidencia desde a licenciatura dediquei-me a estudar imprensa colonial, muito antes de ter consciência que o fazia e de olhá-la sob esse viés. Essa consciência só começou a ganhar forma quando no âmbito do doutoramento passei a pensar o impacto do colonialismo em Portugal e nos espaços colonizados e me deparei com crescentes dificuldades em excluir da equação quer a forma como encaramos a construção do mundo contemporâneo, quer quaisquer dimensões das realidades coevas. Foi uma dificuldade para a qual o estudo da imprensa contribuiu particularmente, tanto pelos problemas de classificação e de inscrição identitária dos periódicos, quanto pelas dinâmicas, agendas e silêncios que evidenciavam. Concretamente, trabalho sobre imprensa colonial desde o meu doutoramento, ainda antes de ter a certeza de como classificá-la, interligando teorização e o olhar para a imprensa como espaço de modelação e debate de ideias e mundividências político-culturais, bem como de mobilização e criação de redes intelectuais. Tenho-me interessado particularmente por alguns intelectuais e pela sua intervenção na imprensa, pela imprensa publicada em Portugal e na imprensa de iniciativa ou intervenção significativa goesa publicada nos mais diversos espaços, o que me conduziu a estudar não só a imprensa goesa mas também, por exemplo, a imprensa publicada na Índia britânica e a imprensa francesa dos anos 20, integrando-as no equacionamento da imprensa colonial e das redes intelectuais que foi mobilizando e espelhando, sobretudo a partir do século 20.